Desfile, fogos e procissão encarnam ideia de “unidade”, segundo historiadores
Varvara GrankovaQuando os sociólogos perguntam aos russos qual é o maior motivo de orgulho na história do país, a resposta mais comum nos últimos vinte anos tem sido: “A vitória na Grande Guerra Patriótica, de 1941 a 1945”. Não é à toa, portanto, que o Dia da Vitória sobre a Alemanha nazista, em 9 de maio, seja uma das celebrações mais populares do país, capaz de unir pessoas com as mais diversas visões.
Para se ter ideia da proporção, cerca de 24 milhões de pessoas – um em cada seis russos – participaram das comemorações dedicadas à vitória nos últimos anos.
Uma das imagens mais simbólicas do evento, juntamente com os fogos noturnos e os cravos dados aos veteranos, é o desfile da Vitória em Moscou. Todos os anos, milhares de soldados marcham sobre os paralelepípedos da Praça Vermelha, ao lado das mais novas tecnologias militares desenvolvidas pelo país e sob o comando do ministro da Defesa (cargo hoje ocupado por Serguêi Choigu).
Além do volume de pessoas e equipamentos envolvidos, os gastos também são volumosos. No 70º aniversário do Dia da Vitória, em 2015, a Rússia gastou mais de US$ 14,2 milhões, e, no ano seguinte, o equivalente a US$ 5,1 milhões.
Por esses motivos, a escala dos desfiles russos é um fenômeno único – nem Europa Ocidental, nem os EUA celebram o fim da Segunda Guerra com paradas militares de grandes proporções. A China realizou um enorme desfile militar em setembro de 2015 em homenagem ao 70º aniversário do fim do conflito, mas esse foi um evento único. Na Rússia, porém, o desfile com milhares de soldados é um evento anual. Por quê?
Nem sempre foi assim
Por mais estranho que pareça, durante a União Soviética, que foi responsável pela vitória na Grande Guerra Patriótica, os desfiles eram mais modestos do que na Rússia contemporânea. E também mais raros. Depois que a primeira parada foi realizada, em em junho de 1945, na Praça Vermelha, onde os soldados soviéticos depositaram as bandeiras nazistas aos pés do mausoléu, o país não realizou o desfile por 20 anos.
De acordo com o historiador Denis Babitchenko, tanto Iossef Stálin como seu sucessor Nikita Khruschov temiam que os comandantes da Grande Guerra Patriótica reforçassem suas posições e, portanto, não focassem a atenção do público sobre seus méritos e de outros veteranos. Até 1965, o Dia da Vitória não era sequer feriado.
O primeiro líder soviético em cujo mandato o Dia da Vitória se tornou uma celebração nacional foi Leonid Brejnev, que foi Secretário-Geral, o cargo mais alto na URSS, de 1966 a 1982. No entanto, na época de Brejnev, o desfile era realizado apenas nos anos do jubileu. O último desfile soviético ocorreu em 1990, e, nos primeiros anos da nova Rússia, não houve nenhuma parada. As celebrações foram retomadas em 1995 e alcançaram o nível de hoje apenas na década de 2000.
Unidade em primeiro lugar
O historiador Dmítri Andreev ressalta que, para a Rússia atual, o Dia da Vitória é importante como um dos poucos mecanismos funcionais que unificam o país.
“O Dia da Vitória e as memórias associadas a ele criam o impulso de unidade e de acordo nacional”, explica Andreev.
O desfile, os fogos de artifício e a procissão do Regimento Imortal – todos esses rituais encarnam a ideia de unidade em torno de uma memória comum. Para o historiador, o governo tenta usar esses rituais para que as pessoas preservem sua identidade. “Por isso, a amplitude das celebrações”, acrescenta.
O desfile militar em Moscou é, de fato, uma parte das comemorações que envolvem o Dia da Vitória na Rússia, mas tem importância nacional.
Entre os moradores locais, muitos reclamam de inconveniência de assistir à parada ao vivo. “Não se pode aproximar, não é possível ver nada”, observa o blogueiro Iliá Varlamov. “O desfile não é feito para as pessoas, mas para a transmissão pela TV. Por que eles não podem separar espaços para pessoas comuns?”, continua Varlamov, que também critica o governo por utilizar o Dia da Vitória, “um feriado relacionado à memória e ao sofrimento, para a demonstração de poderio militar”.
Entretanto, a esmagadora maioria dos russos (96%, de acordo com uma pesquisa do instituto independente Centro Levada) demonstram apreço pelo evento.
“Na minha infância, meus pais e eu assistíamos ao desfile todos os anos”, lembra a moscovita Iúlia Kovaleva, de 24 anos. “É legal ver como os soldados marcham em sincronia, observar a poderosa tecnologia militar, ouvir os gritos de guerra! Você se sente orgulhosa, protegida. É uma boa tradição e deve ser mantida.”
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