Pútin dá ordem de envio de gás para aliviar crise de energia no Japão

Trabalhador de resgate caminha por Otsuchi, área residencial devastada pelo tsunami, em 14 de março de 2001. Na cidade de Otsuchi, localizada na província de Iwate, 12 mil das 15 mil pessoas que compõem a população total desapareceram após o grande terremoto e tsunami de sexta-feira. /Foto:Reuters

Trabalhador de resgate caminha por Otsuchi, área residencial devastada pelo tsunami, em 14 de março de 2001. Na cidade de Otsuchi, localizada na província de Iwate, 12 mil das 15 mil pessoas que compõem a população total desapareceram após o grande terremoto e tsunami de sexta-feira. /Foto:Reuters

Dois navios-tanque com gás natural liquefeito (GNL) e um avião carregado de cobertores podem começar a atenuar a hostilidade entre russos e japoneses, resultado de uma disputa de território feita há 65 anos.

O primeiro-ministro Vladímir Pútin solicitou carregamentos extras de energia para o Japão e o Ministério para Situações de Emergência preparou um avião com suprimentos básicos depois que um poderoso terremoto de nove pontos de magnitude na escala Richter atingiu o país às 8h46 (horário de Moscou) de sexta-feira, provocando um tsunami, uma explosão numa usina de energia nuclear e a possível morte de 10 mil moradores de uma única região.

 

No último domingo, o primeiro-ministro japonês Naoto Kan disse que o país está enfrentando o seu desafio mais sério desde a Segunda Guerra Mundial. “Essa é a crise mais dura no Japão em 65 anos de história pós-guerra”, disse ele, em declarações transmitidas pela televisão. “Mas estou convencido de que podemos superar essa crise”.

 

“O Japão pediu para a Rússia aumentar o abastecimento de energia depois que a usina nuclear de Fukushima Daiichi, ao norte de Tóquio, foi danificada por um fortíssimo terremoto. E Moscou está pronta para ajudar”, disse o vice-premiê Igor Sêtchin a Pútin durante reunião no ultimo sábado.

 

“O Japão é nosso vizinho, nosso simpático vizinho, e, apesar dos vários problemas, temos que ser parceiros de confiança”, afirmou Pútin em declarações exibidas na televisão estatal.

 

Pútin pediu para a empresa estatal de gás Gazprom considerar um aumento crescente das remessas de gás natural para o Japão, país onde 30% da eletricidade é fornecida por meio de energia nuclear e que é o principal comprador de GNL do mundo, com 59,5 milhões de metros cúbicos por dia. “Estamos procurando maneiras de desviar dois navios-tanque, que já estão a caminho e estão sob vigência de contratos já existentes, para também suprir as necessidades dos japoneses nos meses de abril e maio”, disse Sêtchin a Pútin. “São dois navios de 100 mil metros cúbicos de capacidade”.

 

No domingo de manhã, um navio-tanque da Sakhalin-2 com 19.500 metros cúbicos de gás natural deixou a ilha de Sakhalin rumo a Hiroshima, onde aportou na terça-feira. Outro navio-tanque com mais 100 mil metros cúbicos de GNL partirá em direção ao Japão na próxima segunda-feira, informa a agência russa de notícias Interfax. Esses navios distribuirão GNL em razão de contratos já existentes, segundo informações da agência, o que significa que nenhum navio foi desviado e as remessas adicionais solicitadas por Pútin não começaram a ser enviadas até o momento.

 

De acordo com Sêtchin, além dos carregamentos de gás, as companhias russas de extração Mechel e SUEK vão reconsiderar o aumento no fornecimento de carvão de três para quatro milhões de toneladas.

 

O Japão aceitou a oferta de ajuda humanitária da Rússia no domingo, após ter recebido assistência semelhante de outros 69 países.

 

Um Il-76 com cerca de 50 pessoas a bordo, três veículos de resgate e equipamento especial, partirá em breve para o Japão, onde a equipe será capaz de trabalhar de forma autônoma por duas semanas, de acordo com o site do Ministério para Situações de Emergência.

 

A Rússia está “pronta para oferecer ao Japão todo apoio possível para vencer as consequências dessa tragédia”, disse o presidente Dmítri Medvedev durante declaração, na qual prestou condolências ao povo asiático. Pessoas comuns também se compadeceram, deixando flores no lado de fora da embaixada do Japão em Moscou.

 

O governo japonês agradeceu o apoio dado pelos russos. “Eles estão constantemente expressando condolências e demonstrando solidariedade, o que me deixa emocionado”, disse Masaharu Kono, embaixador japonês na Rússia, em declaração enviada por fax ao The Moscow Times no último domingo.

 

O governo russo também mobilizou esforços no extremo leste da Rússia, ajudando na retirada de 11 mil moradores de áreas costeiras antes do tsunami de sexta-feira, divulgou o Ministério para Situações de Emergência. Não houve relato sobre feridos e a maioria das pessoas já tinha retornado às suas casas no domingo. Os avisos de um tsunami também foram enviados a 76 navios de pesca da região na sexta-feira, segundo a ITAR-TASS.

 

Quando diminuiu o perigo imediato de um novo terremoto e tsunami, Guennadi Oníschenko, chefe do serviço de inspeção sanitária e epidemiológica da Rússia, garantiu que o nível de radiação no extremo leste estava dentro do limite de normalidade e os moradores locais não tinham com que se preocupar. As autoridades japonesas garantiram ainda que, no domingo, os níveis de radiação em torno da usina danificada também estavam próximos ao normal.

 

De acordo com dados do governo, 1,351 pessoas morreram em virtude do terremoto e do tsunami, embora oficiais tenham alertado que esse número pode subir: teme-se que mais 10 mil pessoas tenham morrido só na região de Miagi, no nordeste do Japão.

 

Oníschenko foi direto ao descartar comparações da tragédia japonesa com o desastre de Chernobyl, ocorrido em 1986 na Ucrânia, que foi um dos maiores acidentes nucleares da história. “O reator danificado da usina de Fukushima é mais fraco em termos de capacidade. E isso nós dá esperanças até mesmo se o pior cenário imaginável se concretizar”, afirmou.

 

Apesar da declaração tranquilizadora, o chefe do serviço de inspeção sanitária e epidemiológica demonstrou preocupação com o fato de muitas usinas nucleares japonesas estarem localizadas ao longo da costa ou em regiões de aterro. “Depois do incidente, o Japão obviamente mudará o seu conceito para a produção de energia nuclear”, disse.

 

Os ambientalistas dizem que a Rússia poderia ter tirado uma lição do que aconteceu em Chernobyl, já que o país tem intenção de construir estações de energia nuclear flutuantes, uma delas no extremo leste, região propensa a terremotos. Além disso, o país estava à beira de um acidente similar em 1993, quando o abastecimento elétrico da usina de energia nuclear da península de Kola, na região noroeste, foi cortado por causa de fortíssimos ventos.

 

“Os acontecimentos no Japão devem se tornar um bom exemplo para a Rússia”, disse Vladímir Sliviak, copresidente do grupo ambiental Ecodefense. “A conclusão é a seguinte: energia nuclear, em princípio, não é segura. Além disso, novos projetos, como a estação flutuante no extremo leste e usinas em zonas propensas a abalos sísmicos, só aumentam os riscos assumidos pela indústria do setor”, afirmou.

 

 Os especialistas acreditam que, por ser a terceira maior economia do mundo, o Japão pode lidar com as consequências do terremoto por conta própria. No entanto, considerando-se a gravidade da situação, é melhor para o seu povo que isso não aconteça. A decisão do Japão de estender a mão a Moscou e aceitar a ajuda oferecida pelo país ilustra a humanidade de ambos os lados, mesmo com as sérias tensões políticas existentes, afirmou o ex-embaixador russo no Japão Aleksandr Losiukov.

 

“Quando o seu vizinho está com um problema como esse, independente de crenças políticas, você deve ir até ele e oferecer ajuda”, disse Losiukov ao The Moscow Times. “Também estou feliz de ver que as autoridades do Japão tiveram sabedoria suficiente para aceitar essa mão amiga”, disse.

 

As relações entre os dois países afundaram depois de uma disputa territorial no período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, em que a União Soviética se apoderou de quatro ilhas do Japão. Inabitadas em grande parte, as ilhas, que não sofreram dano algum com o terremoto e com o tsunami, são chamadas de Kurilas do Sul pelos russos e Territórios do Norte pelos japoneses. E ficam a apenas dez quilômetros do Japão.

 

Tóquio, que deseja o local de volta, deu prioridade à resolução da disputa nos últimos meses. No entanto, reagiu negativamente quando Medvedev visitou as ilhas em novembro e o corpo militar russo falou há poucos dias a respeito do desejo de fortalecer sua presença na região.

 

Enquanto se espera para ver se a tragédia irá levar a uma reavaliação da situação, ao menos um político russo fez uma proposta incomum sobre como ambos os lados poderiam se ajudar nos dias difíceis que estão por vir. Vladímir Jirinovski, o excêntrico líder do Partido Liberal-Democrático que é conhecido por suas visões territoriais pró-Rússia, sugeriu que os japoneses desabrigados se mudassem para as áreas pouco povoadas do extremo leste da Rússia.

 

“Neste caso, nós não estamos dividindo nada, nenhuma ilha”, declarou o líder no site do seu partido. “Estamos oferecendo a eles a chance de evitar uma catástrofe humanitária. Deixemos que eles ocupem as terras desabitadas, construam suas bases e se reergam. Não atrapalharão os moradores locais. E a Rússia só tem a ganhar se esse povo trabalhador se unir a nós”.

 

Publicado originalmente no The Moscow Times

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